Na Revista Época desse mês, saiu uma reportagem com o título de “Energia Duvidosa”, na qual aborda os pré-treinos, mais especificamente o famoso Jack3d. Sinceramente, não o acho o melhor pré-treino que existe, visto que o foco dele é apenas proporcionar mais disposição para treinar. Como gosto pessoal, prefiro os pré-treinos que fiquem atrás do Jack3d na questão disposição, mas que ganhem no que diz respeito a nutrientes para resistência e recuperação muscular.
Porém, esse não é o assunto que vamos abordar aqui, e sim a quantidade de bizarrices e o terrorismo feito na reportagem. Alguns podem dizer que somos uma loja e queremos vender. Não, qual é o louco que vai querer matar seu público consumidor? Alguém já viu alguém morrer devido ao uso de suplementos? “Ah, eu tive cálculo renal por conta de whey!”. Será que foi whey ou a quantidade de proteína total diária cheia de sódio e a baixa ingestão de água que ocasionou o cálculo? Sim, muito fácil colocar a culpa noutra coisa para se redimir.
Voltando ao assunto, na reportagem citava o exemplo de uma advogada que administrou o produto e passou mal. A mesma relatou que tomou o produto na hora do almoço, sendo que no rótulo diz que é para utilizar de estômago vazio. A culpa foi do Jack?
Outro ponto é sobre sua proibição. Não que a FDA nos EUA seja mais “permissiva” que a Anvisa, pelo contrário. Foi num termogênico importado que encontraram sibultramina há pouco tempo? Errado, em marca nacional que atualmente faz marketing num programa de TV aos domingos e poucas pessoas lembram disso. Certa marca nacional lançou um pré-treino com base apenas em cafeína e maltodextrina, coisa que possui um custo de produção baixíssimo e ainda tem a audácia de vendê-lo a um preço compatível ao do Jack3d. Observem o lucro que esse laboratório vai obter às custas da população brasileira, sem nenhum concorrente de qualidade superior regularizado. Alguém tem alguma dúvida porque a Anvisa não libera diversos produtos no Brasil? É certo laboratórios nacionais fabricarem whey 100% isolado com lactose, mesmo que em concentrações baixas? E se um intolerante à lactose muito sensível ingerir esse produto que possui a promessa de ser 100% livre de lactose? Afinal, quem engana o consumidor aqui?
As explicações na reportagem são mais contraditórias ainda. Porque quanto aos efeitos ergogênicos sobre os componentes é ressaltado que não há comprovação científica. Entretanto, mesmo que igualmente sobre os efeitos colaterais há somente especulações, esses são colocados de forma sutil como certeiros.
Vamos aos componentes:
“L-arginina alfa-cetoglutarato Aminoácido que aumenta a produção do gás óxido nítrico nos vasos sanguíneos. Como eles se dilatam, aumenta o fluxo de sangue, e mais oxigênio e energia chegam aos músculos. Não há comprovação de seus efeitos sobre o crescimento muscular. Pode causar palpitação, tontura e desmaio”
Anteriormente é dito na reportagem que o corpo produz uma quantidade enorme de L-arginina, por isso não seria necessária a sua suplementação. Como então uma pequena quantidade a mais iria causar todos esses efeitos colaterais? Como causaria palpitação se a L-arginina é um vasodilatador? Não há evidências concretas sobre esses efeitos.
Segundo Paddon-Jones e colaboradores (2004), a arginina, combinada com a creatina, exerce um efeito benéfico na massa muscular magra. No estudo de Zajac e colaboradores (2010), L-arginina e L-ornitina combinadas eleva as concentrações de hormônio do crescimento e IGF-1 após o treinamento de força exaustivo, além de aumentar a vasodilatação em exercícios onde é provocada uma hipóxia muscular (restrição do suprimento de oxigênio muscular) (Casey e colaboradores, 2010). Álvares e colaboradores (2011) afirmam que, mesmo não havendo um consenso sobre os seus efeitos ergogênicos, a suplementação de L-arginina é bem tolerada por humanos. Em pacientes com doença arterial periférica, a suplementação de 3gr/dia melhorou a velocidade de caminhada nos testes em esteira (Oka e colaboradores, 2005).
Ou seja, há diversos estudos que dão crédito à L-arginina. Todos os estudos científicos igualmente devem ser vistos com olhar crítico, pois todos possuem limitações. Além do suplemento utilizado, há diversos outros fatores a serem considerados. Por exemplo, o protocolo de treinamento. Observem que no estudo citado acima, as elevações de Hormônio do Crescimento e IGF-1 se deram após um treino de força intenso. Logo, o exercício também precisa causar uma alteração no estado de homeostase no organismo.
“Creatina mono-hidratada Aminoácido aprovado na forma isolada pela Anvisa. Sua comercialização misturada a outras substâncias está proibida no brasil. Fornece energia para os músculos. Pode elevar a pressão arterial.”
Numa postagem anterior, fizemos diversos textos sobre a suplementação de creatina. Não há evidências que a suplementação de creatina aumente a pressão arterial de maneira significativa. Tanto que, clinicamente, usa-se esse suplemento por grandes intervalos de tempo em pacientes com doenças degenerativas, sem quaisquer alterações na pressão arterial ou em marcadores de função renal ou hepática.
Claro que tudo o que é demais não é bom. Obviamente, se você consumir um pote de creatina por dia, poderá ter problemas. Assim como consumir carne vermelha, chocolate, sal e afins em excesso poderá ter diversos problemas, como triglicerídeos, colesterol e pressão arterial altos. E nem por isso esses produtos são vendidos com controle.
Igualmente não há evidência de que o consumo combinado, por exemplo, com cafeína, poderia trazer malefícios à saúde.
“1,3 dimetilamilamina De onde vem o “3d”. Em combinação com a cafeína, é usada para queimar gordura. é considerada doping. Por ser um estimulante do sistema nervoso, há suspeitas de causar dependência.
Cafeína composto químico excitante. No rótulo, a quantidade não está declarada, mas o fabricante afirma que mais de três doses podem causar efeitos indesejados, como insônia, taquicardia e dificuldade de concentração
Schizandrol A. Aumenta as concentrações de dopamina e serotonina no cérebro, substâncias que estimulam a sensação de prazer e bem-estar. Há poucos estudos sobre seus efeitos realizados em humanos.”
Na realidade, a 1,3 dmetilamilamina é proibida pelo COI mais por falta de evidência de seus efeitos do que qualquer outro fator. Ela, claro, é estimulante do sistema nervoso. Em 200 ml de Coca-Cola, a quantidade de cafeína por chegar a 46mg. Uma xícara de café ou chá forte possuem de 50 a 70 mg de cafeína. Até pouco tempo atrás, concentrações maiores que 12mg/mL de cafeína era considerada doping. Coca-Cola, café ou chás possuiam venda controlada?
Imaginem as pessoas que consomem 2, 3 litros de Coca-Cola por dia! Aqui vale o que foi colocado anteriormente, tudo em excesso não faz bem. Por isso, no Jack3d há um medidor que deve ser respeitado. Achou muito forte a dose? Use meia dose.
Schizandrol aumenta as concentrações de dopamina e serotonina no cérebro, assim como chocolate, exercício... Precisamos comentar mais alguma coisa?
Observem o terrorismo com que foi tratado o assunto. É de se perguntar, por quê tudo que se refere a exercícios físicos, suplementação, a população leiga vê como ilegal, estranho e rotula como malefício? Em algumas academias, as pessoas que treinam intensamente, são observadas, muitas vezes, com olhares de reprovação. Para essas pessoas, isso é determinação. Seria melhor elas ficarem em casa, sendentárias como futuras candidatas a diabetes, pressão alta?
Com suplementos acontece a mesma coisa. As pessoas rotulam como “bomba”, que faz “mal” e o fazem com um cigarro entre os dedos, com seus fígados gordurosos devido ao consumo de gordura e àquele pastel diário regado a óleo utlizado por semanas na fritura.
Que a imprensa e a própria Anvisa deixem de ser hipócritas e parem de procurar assunto para fazerem terrorismo, ao invés de atacarem a indústria milionária do tabaco, do álcool que destroem vidas, famílias...
Referências
Álvares TS, Meirelles CM, Bhambhani YN, Paschoalin VM, Gomes PS. L-Arginine as a potential ergogenic aid in healthy subjects. Sports Med. 2011 Mar 1;41(3):233-48.
Casey DP, Madery BD, Curry TB, Eisenach JH, Wilkins BW, Joyner MJ. Nitric oxide contributes to the augmented vasodilatation during hypoxic exercise. J Physiol. 2010 Jan 15;588(Pt 2):373-85. Epub 2009 Nov 30.
Oka RK, Szuba A, Giacomini JC, Cooke JP. A pilot study of L-arginine supplementation on functional capacity in peripheral arterial disease. Vasc Med. 2005 Nov;10(4):265-74.
Paddon-Jones D, Børsheim E, Wolfe RR. Potential ergogenic effects of arginine and creatine supplementation. J Nutr. 2004 Oct;134(10 Suppl):2888S-2894S.
Zajac A, Poprzecki S, Zebrowska A, Chalimoniuk M, Langfort J. Arginine and ornithine supplementation increases growth hormone and insulin-like growth factor-1 serum levels after heavy-resistance exercise in strength-trained athletes. J Strength Cond Res. 2010 Apr;24(4):1082-90.